Partilha de conteúdos íntimos. Quase todos os casos abertos pelo Ministério Público acabam arquivados
Desde que a lei foi criada há dois anos, para reforçar a proteção das vítimas deste tipo de fotos e vídeos, foram apenas três as acusações deduzidas num universo de 205 inquéritos.
Em 2023, o Código Penal passou a especificar um tipo de crime de "devassa através de meio de comunicação social, da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada", crime que se refere à partilha de conteúdos relativos "à intimidade da vida familiar ou sexual".
A Procuradoria-Geral da República (PGR) refere à Antena 1 que foram instaurados 205 inquéritos com ligação a este tipo de crime.
No período analisado pela PGR, entre 1 de junho de 2023 e 6 de fevereiro de 2025, o Ministério Público deduziu três acusações, enquanto 195 processos foram arquivados.
"Neste momento, encontram-se em investigação 99 inquéritos", informou na quarta-feira a PGR em resposta a questões da Antena 1, sendo que esses inquéritos incluem também "factos anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 26/2023, de 30 de maio".
Esta lei levou à alteração do Código Penal, prevendo no artigo 193.º penas de prisão até cinco anos pelo tipo de crime.
Antes desta mudança, já existia o crime de devassa da vida privada, previsto no artigo 192.º e que também faz referência à "intimidade da vítima sexual".
A PGR indica à Antena 1 que em 2023 e 2024 foram abertos 1353 inquéritos relativos a este crime, sendo que 1198 (88%) resultaram em arquivamentos, enquanto 59 (4%) deram origem a acusações.
Quanto ao artigo 193.º, o advogado Pedro Duro sublinha que estão relacionados com a divulgação dos conteúdos, em que "muitas vezes perde-se o rasto da partilha".
Partilhas estão a aumentar, aponta a PJ
A inspectora-chefe da Polícia Judiciária, Carla Costa, diz que "tem havido algum crescimento" da partilha de conteúdos íntimos, destacando que o maior acesso a equipamentos digitais e o aumento do número de horas à frente dos ecrãs potencia este problema entre as crianças.
A falta de controlo parental leva a que as crianças fiquem "vulneráveis e são facilmente manipuláveis para a partilha deste tipo de conteúdos", considera Carla Costa.
Perante os dados divulgados pela Procuradoria-Geral da República à Antena 1, a inspetora-chefe da Polícia Judiciária reconhece a dificuldade em fazer identificações nestes casos, mas realça que também chegam à barra do tribunal.
Também a Associação de Apoio à Vítima (APAV) vê um crescimento do fenómeno, ao afirmar que tem recebido um "aumento significativo" de pedidos de ajuda.
"Muitas vezes estas situações acontecem de forma a aliciar os menores em plataformas digitais, videojogos ou outras redes sociais", assinala o gestor da linha Internet Segura, Tomás Grencho, sendo que "o objetivo é passar para plataformas encriptadas".
Tomás Grencho e Carla Costa estiveram em direto no Ponto Central, no Programa da Manhã da Antena 1, pelo que pode ouvir as declarações completas aqui.
"Fazia coleção dessas fotos para usar mais tarde contra elas"
Deveriam ser privadas, mas acabam nas redes sociais: muitos jovens publicam fotos e vídeos íntimos sem o conhecimento de quem está nesses conteúdos.
Em Lisboa, na Cidade Universitária, o repórter Gonçalo Costa Martins ouviu histórias de estudantes que lembram as partilhas que conheceram ainda na escola. Algumas dessas partilhas não consentidas foram por vingança, outras não tinham razão aparente.
